quinta-feira, 18 de junho de 2009

A s(h)aga do xixi


Uma semana perfeitamente normal...

> 6ª feira, 12 de Junho

Deixámos de poder usar as duas sanitas da única casa-de-banho da empresa, porque o esgoto está entupido. O imóvel, cuja cave nos está arrendada, pertence a um organismo público, ao qual nos queixámos. O director está fora da província, e o responsável na sua ausência está demasiado ocupado para tomar conta da ocorrência, adiando a visita para 2ª feira. Até a situação estar resolvida, deixa-nos usar as casas de banho do andar de cima, que pertence ao mesmo organismo. Como a cavalo emprestado não se olha o dente, fiz por ignorar o aspecto pouco asseado daquelas instalações de recurso, mas os nossos colaboradores angolanos dispensaram a oferta: os homens preferiram o contacto com a natureza, num muro no quintal com um mínimo de privacidade, as senhoras passaram o dia a contorcer-se na cadeira com dores na bexiga.

> 2ª feira, 15 de Junho

O substituto do director desceu ao nosso andar, viu a casa-de-banho, opinou que será necessário abrir uma caixa de visita no nosso escritório para desentupir o esgoto, e voltou para os seus afazeres inadiáveis, sem dizer quem se mexeria para resolver o problema (o proprietário ou o inquilino), e muito menos quando. Disse apenas que as despesas serão por conta do inquilino, como em qualquer situação de arrendamentos de imóveis.

E eu acrescento: em arrendamentos de imóveis, e em qualquer situação em que fulano é prejudicado e beltrano seria responsável. Se beltrano não é prejudicado, o problema não é dele, e assim nasce a a «Teoria Angolana de Resolução de Problemas».

A dona da nossa empresa, angolana que conhece metade da população e não tem paciência para a pachorrice da outra metade, agarrou num dos seus três telemóveis e em minutos tinha agendado a visita de uma empresa para as 8 horas da manhã seguinte, frisando a necessidade de trazer picaretas.

As senhoras continuam a dançar, nas cadeiras, a dança do xixi.

> 3ª feira, 16 de Junho

A equipa de desentupimento foi até bastante pontual para os padrões angolanos... chegou às 10 e picos. Só não trouxeram as picaretas. Opinaram que a caixa de visita das sanitas não estaria no interior do edifício, mas nas imediações. Lá andaram meia-hora para trás e para a frente, com o responsável-na-ausência-do-director, abriram as caixas no exterior, e concluíram que não eram as que interessavam. As atenções voltaram a centrar-se na caixa do interior. A equipa, sem picaretas, foi-se embora sem ter resolvido nada.

Encontraram-se uns homens para abrir a caixa de visita. Afinal não era aquela, toca a tapá-la outra vez. Onde estão as plantas de infra-estruturas do edifício? No cofre do gabinete do director, que está ausente de Luanda.

Tentámos então usar soda cáustica. Não resolveu.

As senhoras da empresa continuam a dançar, nas cadeiras, a dança do xixi.

> 4ª feira, 17 de Junho

A dona da empresa contactou o director do organismo proprietário do edifício, que entretanto regressou a Luanda mas estava numa conferência, por isso não podia falar no momento. Ficou de lhe devolver a chamada quando pudesse. Obviamente não o fez,... Mas, já de regresso ao gabinete, lá abriu o cofre para nos ceder as plantas. São apenas os esquemas de paredes, sem as canalizações, iguais às que tínhamos em nosso poder. Deixem-me frisar bem: um organismo público proprietário de um imóvel não sabe onde estão as plantas de infra-estruturas do mesmo. Impressionante? Não, normalíssimo.

Arranjaram-se dois rapazes para outra abordagem: desmontar as sanitas e enfiar cabos de aço pelos canos, tentando empurrar os detritos que estivessem a provocar o entupimento. Não resultou. Sugeriram tirar-se um azulejo da casa-de-banho e voltar a tentar com o cabo. Não resultou. E ainda abrir num terceiro ponto do escritório, em plena sala de reuniões. O resultado foi... já se sabe.

Como a dona da empresa tem outros negócios, as suas passagens pelo nosso escritório são na melhor das hipóteses semanais, e nunca muito demoradas. A segunda gerente está de licença de parto, logo a direcção tem estado entregue a mim. Eu, que sou técnico por convicção e comercial por necessidade, desde que este fado começou sou interrompido de 30 em 30 minutos para tomar decisões sobre canos. Tem dado para trabalhar imenso...

E adivinhem qual é a dança que está no top da nossa pista!

> 5ª feira, 18 de Junho

Visto que, se depender do proprietário do imóvel, irão passar-se semanas até podermos voltar a usar as sanitas, optei por uma abordagem diferente: já que não há uma solução para o problema, ao menos minimizo as consequências. Isto é, consultei a sócia maioritária para adquirirmos uma casa-de-banho “portátil”, daquelas que costuma haver nas obras, e dar um ar mais digno às escapadelas para o quintal.

Ok, luz verde. Deu ordem ao nosso motorista que contactasse um fornecedor. Contactou-se um, dois, três, sei lá quantos. Não têm e não sabem quem mais poderá ter.

E pronto, amanhã de manhã completa-se uma semana sem casa de banho numa empresa cuja filosofia é bastante diferente do laissez faire, laissez passer nacional, mas que está condicionada pelo ambiente. Uma semana em que, apesar de todas as tentativas e iniciativas, não se conseguiu resolver pôrra nenhuma. E isto é apenas uma imagem muito pequena do novelo de chatices e complicações em que estão enredados uns quantos milhões de pessoas neste quadrado, uns por má vontade dos outros.

Quando situações desta natureza acontecem, dá vontade de inverter o sentido da Teoria Angolana de Resolução de Problemas (os esgotos do edifício têm problemas? Que tal mudarmo-nos para outro escritório e deixar o proprietário do primeiro com os esgotos por reparar e ainda com o bónus de 3 buracos mal tapados?). Infelizmente não é solução, porque em qualquer imóvel desta cidade haverá problemas de manutenção, necessidade de obras que em qualquer outra parte do mundo seriam banais mas que aqui são uma dor de cabeça, com pessoal não qualificado que improvisa constantemente, material que demora horas ou mesmo dias para aparecer, etc. A única excepção são, talvez, os edifícios de escritórios modernaços e (ainda mais) caros. Os que não são feitos por chineses, claro.

Quanto às cenas dos próximos capítulos, posso assegurar-vos que não as vamos perder. Não temos escolha.

3 comentários:

Nuno Leal disse...

Que sofrimento...

Quem te lia nem pensava que estavas em Angola... :)

Se precisares de um bom empreiteiro para umas obras, diz qualquer coisa... Eu também sou técnico por vocação mas comercial por necessidades várias!

Tou quase a ir ao lado de lá, 25 à noite...

Abraços.

Anónimo disse...

Pois, por aqui(Guimarães- Portugal),também aguardo, há uma semana, que um picheleiro "faça o favor", PAGANDO, de me vir concertar ou colocar uma nova "bicha" de ligação da água da rede ao autoclismo, porque a que ainda lá está pinga demais...
"Sim senhor, nós vamos lá logo ao fim da tarde"(até hoje!). Bem tentei dar-lhe um jeito, mas em vão! Infelizmente tem mesmo de ser alguém que perceba daquilo. Vou ter de esperar sentada!!!
Beijinhos
Tia

Anónimo disse...

Interessante! Só agora, quando li o comentário que fiz há dias e publicaste, reparei que dei "concerto"...O que eu queria escrever era "consertar", logicamente!
Beijinho
Tia