quarta-feira, 28 de maio de 2008

Mudança


Se os comentários dos amigos a quem promovi este cantinho me enchem de orgulho, as visitas de outros amigos, que não conheço pessoalmente mas com quem partilho agora um ponto em comum, deixaram-me igualmente inchado mas, acima de tudo, surpreenderam-me. Sejam todos muitos bem-vindos, apareçam quando quiserem. Espero apenas que compreendam que nem sempre irei escrever sobre Angola; ocasionalmente irei dar notícias nossas ao pessoal do rectângulo.

> Hora H
Nos dois últimos dias em que habitámos na Maianga, a noite caiu sem electricidade no bairro, como se este previsse a nossa saída. Entre meia-dúzia de piadas a propósito da taxa de natalidade no tempo dos nossos avós, ou do romantismo de jantar sandes mistas à luz de velas, a contrastar com a alta tecnologia de uma candeia de led’s dos chineses, não pudemos deixar de pensar que a mudança de casa vinha na hora H. É que se começasse a tornar-se um hábito faltar a electricidade naquele bairro à hora a que nós precisávamos dela, o espírito de gozo com que encarávamos a situação era capaz de perder um pouco do gás... Mas, felizmente, tudo tem corrido de modo a que nenhuma das concessões que tivemos de fazer para estar aqui seja problemática.

> O Casarão (que não é em Queluz de Baixo)
Mas não foi por causa do gerador que esta mudança foi agendada. O que se passa é que vamos dividir o tecto com um amigo, que irá trabalhar connosco a partir do mês que vem, e a empresa achou que precisávamos de mais espaço.

Bem, espaço é coisa que não falta nesta casa! Rapidamente nos questionámos se o anterior ocupante não se perdia, sozinho aqui dentro, e ao fim de algumas horas em que era difícil ouvirmo-nos se não estivéssemos na mesma divisão, brincámos que se calhar é melhor arranjar uns walkie-talkies...

O pior é quando for preciso limpar isto tudo! Dizem as nossas chefes que, em Luanda, quem tiver possibilidades de pagar uma empregada, deve mesmo tê-la, porque vai precisar. E não é só para ir limpando (mal) o pó e lavando (mal) a louça, é também para ter alguém que vai buscar a garrafa de gás quando acaba, ou sabe onde arranjar água quando esta falta, coisa que um europeu não sabe. Sinceramente, tremo só de pensar onde se vai buscar água quando ela não corre nas torneiras.

> A distância ao ninho ficou mais curta
Sim, é verdade: já houve uma altura em que as pessoas vinham trabalhar para Angola, o contacto com família e amigos em Portugal era escasso e caro, as notícias de casa tardavam a chegar porque nem sempre havia televisão, e isso não fazia confusão a ninguém. Estávamos nos anos 60-70.

Mais a sério, chegar a uma casa, encontrar um modem ADSL deixado no escritório, ligá-lo, e cinco minutos depois estar a abrir o google pode parecer banal, ou até uma borla simpática, mas dados os antecedentes é muito mais que isso. É o regresso da ligação ao resto do mundo! Nunca pensámos dar tanto valor uma net de 256 Kbps! Não que a permanência aqui em Luanda esteja a ser um castigo, nada disso, mas o contacto com o ninho não deixou de ser uma necessidade.

> (Quase) afogados na nossa própria m...
Mas nem tudo são rosas, e nem tudo cheira tão bem como elas. Desde o princípio notámos que tínhamos uma fonte (esporádica, é certo) debaixo de uma das sanitas. Dias depois a outra seguiu-lhe as pisadas, os ruídos da canalização juntaram-se mais tarde à festa, e quando demos por nós, certa noite «sentíamos presenças» de resíduos que... não desciam. Como temos sido tratados nas palmas das mãos pela empresa (concorrência, roam-se de inveja... :P), no dia seguinte já estava uma equipa de desentupimento a repor a normalidade. Ufa!

> Biodiversidade
Não sei se por estarmos mais perto do solo (1º andar), se por estarmos mais perto da orla marítima (800 metros em linha recta), se por haver umas ranhuras sob a porta da entrada e na janela da cozinha, se por todas as anteriores ou se por nenhuma, a fauna nesta zona é muito mais abundante do que na casa anterior. Todos os dias temos, esvoaçando à volta da porta, à espera que a chave a abra, um grupo das criaturas mais democráticas do planeta (branco, preto, amarelo, cabrito, e picadela de mosquito). Também já recebemos - à chinelada, frise-se – um número indeterminado de visitas dos Só Pra Contrariar na porta do frigorífico.

Mas lá íamos gracejando, e até mesmo quando nos cruzámos nas escadas do prédio com dois exemplares de outra espécie achámos muito mais light comentarmos «olha ali o Mickey» do que queixarmo-nos da má vizinhança. A situação deixou de ter piada quando um petiz desta família badalhoca decidiu aventurar-se na nossa sala. Voltou a ter piada - excepto para ele - quando concluí que aquele pequeno corpo é tenro demais para servir de bola de golfe.

Mantenho a vontade de, quando o trabalho o permitir, ir passar um fim-de-semana prolongado ao Parque Nacional da Kissama. Pessoalmente, aprecio a atitude das espécies animais que não tentam criar laços de excessiva proximidade com os humanos logo ao primeiro contacto.

> Usos e costumes
Querem conhecer algumas das expressões e hábitos de Luanda? Não? Então eu conto na mesma.

Antes da gasosa se referir a dinheiro, era apenas o “nosso” refrigerante (Fanta, Coca-Cola, ou outras marcas, mas isso vai dar uma posta um dia destes). Imagino que o hábito de pedir «dá uma ajudinha para comprar uma gasosa» tenha evoluído para um mais objectivo «dá uma gasosa...».

Uma expressão que acho curiosa é a forma quase poética como se deseja boa noite: «uma noite feliz». Também a atitude de respeito com os mais velhos tem uma certa doçura: qualquer homem ou mulher a partir dos 40-50 é chamado de «pai» ou «mãe» por qualquer jovem que nunca o/a tenha visto. E não tem a ver com o número assustador de órfãos provocados pela(s) guerra(s), mas com a veneração ao mais velho como pessoa sábia.

Mais mundano é o gesto de agradecimento: em vez de um aceno com a mão aberta, como nós fazemos, é vulgar usar-se o polegar, como nós dizemos «porreiro pá!». Por falar em agradecimento, é comum recebermos um «ok, obrigado senhor(a)» meio encabulado, quando damos os bons dias a alguém que conhecemos mal e com quem nos cruzamos casualmente.

> Sobreviventes
Já escrevi anteriormente sobre os muitos caminhos de terra batida e a quantidade de gente que ganha a vida a lavar carros. Vou mais longe: em apenas 4 semanas, já estou esmagado com a visão de negócio do luandense! Chegou um casal de brancos ao prédio? Em 48 horas já está a vizinha de cima a bater à porta, a oferecer-se para empregada doméstica. Os assaltos são preocupantes? Colocam-se três seguranças a vigiar um prédio com 6 apartamentos (pagos pela quota do condomínio, suponho, o que deixa zero para a manutenção dos espaços comuns). Num dia o tal casal chegou do trabalho e não conseguiu estacionar o carro à porta? No dia seguinte os seguranças guardam lugar! Se as ruas de Luanda se “Helsinquizassem” para conforto dos imigrantes, os locais iam ter a vida mais difícil.

> Toda a ajuda tem um preço
Mas os seguranças não foram os primeiros a lucrar com a nossa dificuldade em arranjar lugar para estacionar. O primeiro rapaz, que até ia apenas a passar quando chegámos das compras, foi directo ao objectivo assim que pusemos o pé fora do carro - «dá um trocado para uma Blue» - com uma certa musiquinha na voz. Hesitámos. Damos-lhe dinheiro ou damos-lhe logo o que ele diz que quer comprar? Meto a mão no saco das bebidas e pergunto-lhe «Queres Blue ou Cuca?». Ao ouvir a proposta de receber uma cerveja em vez de um sumo, o rapaz rasga ainda mais o sorriso. Claro que depois já queria duas, mas a Paula pôs-lhe travão. Na boa, deu-me um aperto de mão e seguiu todo contente, a matar a sede.

Dias depois, tive de contar com a boa vontade de um dos miúdos que vendem bugigangas, para conseguir arrumar a banheira. Comprometi-me a dar qualquer coisa quando voltasse, e cumpri (lá estava debruçado no capot, paciente, disposto a cobrar a promessa), trazendo um sumo directamente do frigorífico para a mão dele. Mais uma vez, o sorriso foi maior do que se lhe tivesse dado o valor da bebida em kwanzas.

Tomámos então uma decisão: na próxima ida ao Jumbo, vamos trazer um stock de refrigerantes e cervejas para agradecer as gentilezas. Sai em conta, e a satisfação parece ser maior.

Por hoje é tudo
Cris, desculpa, ainda não foi desta que houve fotos.

A todos, desejamos uma noite feliz.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Adaptação


Antes de mais nada, as minhas desculpas. Primeiro, por ter estado tantos dias sem alimentar o blogue; segundo, por vos brindar com um testamento ainda maior que o anterior. Acho que não é suposto dissertar sobre vários temas de cada vez que escrevo, mas não tem sido fácil aparecer com a frequência que gostaria. E, por enquanto, não consigo prever quando é que conseguirei ilustrar o que escrevo com imagens. Espero que a descrição seja suficiente.

Ao fim de quatro longos dias, durante os quais a Paula estava tão desorientada que tentou derrubar um pilar da garagem com o carro, lá se juntou a mim.

> A “nossa” casa
... nos primeiros tempos. Neste fim-de-semana iremos para um apartamento num prédio pequeno e sossegado, mas até lá vamos ficando num dos muitos prédios altos de Luanda do tempo colonial que não têm manutenção provavelmente desde 74-75. Não há vidros nas portas do prédio, e olhando para as dos elevadores faz-se logo o filme completo: um dia avariou um, não se mandou arranjar (ou por falta de dinheiro, ou por falta de pessoal especializado), depois o outro, e a malta foi-se habituando a viver sem eles, apesar do prédio ter 7 andares. Não deixa de ser irónico, quando comparado com o nosso prédio de Tercena, onde há uns preguiçosos que usam o elevador para subir UM andar!

Dirigimo-nos às escadas, com 4 patamares pela caminho até ao nosso destino. Quem me conhece, sabe que não me caem as perninhas por tão pouco, e só quando comecei a pensar na botija de gás é que dediquei alguns segundos a preocupar-me com este assunto.

À medida que vamos subindo, reparamos que os apartamentos têm uma primeira porta de grades (a nossa com cadeado, que às vezes custa a abrir e nos prega uns valentes sustos), dois ou três degraus, e a tradicional porta de casa. Já houve ocasiões em que ouvi o som destas portas a abrirem e fiquei na dúvida se alguém estaria a tentar visitar-nos sem pedir licença. Depois, passou-me a paranóia.

Entramos, e salta à vista que a empresa teve o cuidado de fazer obras. E, quanto às mordomias, temos cá quase tudo o que a nossa casa de Tercena tem.

> A moeda
Depois de há uns anos termos adoptado o euro, faz alguma confusão voltarmos a ver valores da escala de grandeza do escudo (1 € equivale a 116 Kwanzas, logo 1 Kwanza é pouco menos do que 2 escudos). Ainda por cima, só são utilizadas notas, mesmo para quantias pequenas que na Europa são pagas com moedas, como 5 a 200 Kwanzas (5 cêntimos a 2 euros).

Nota informativa: embora o Estado queira combater a utilização de dólares nas transacções diárias, para reforçar a identidade da divisa do país, vai ser muito difícil impedir as pessoas de pensarem em USD.

> O dia-a-dia em Luanda
Fechem os olhos. Conseguem imaginar 4 a 5 milhões de pessoas, aproximadamente a população das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, na área... da cidade de Lisboa? Porquê «4 a 5 milhões»? Porque não se sabe ao certo quantas pessoas habitam nos musseques, bairros caóticos cuja semelhança com as zonas menos recomendáveis da Amadora não é coincidência. As autoridades têm tentado diminuir esta densidade populacional, oferecendo condições para que estas pessoas se instalem na periferia, mas muitas delas acabam por voltar. É que em Luanda é onde ainda vão conseguindo fazer algum dinheiro, a vender fruta ou bugigangas na rua, a lavar carros ou a fazer outras tarefas braçais, a pedir ou, como em qualquer capital que se preze, a roubar. Felizmente, apesar das carências, Luanda ainda está longe da criminalidade violenta do Rio de Janeiro.

> Working at the car-wash
Dissertar sobre a lavagem de carros parece um tema desinteressante, mas tratando-se de Luanda dava quase um case study. Por um lado, é proibido fazê-lo na via pública, e se os fiscais virem vão imediatamente pedir uma gasosa ao condutor do veículo. Por outro, é o que mata a fome a muita gente. Grande parte das ruas são de terra batida, e mesmo as principais têm uma teimosa camada de pó, o que torna impossível um carro manter-se limpo durante muito tempo.

Nas traseiras do nosso prédio, em zona privada, há um grupo de rapazes que lava os carros dos arredores. Uma destas manhãs um deles ofereceu-se para lavar o jipe, o que aceitei porque bem precisava. Não tentou ser pago antes da obra feita, como o Miguel me alertara que muitos fazem, e na verdade até fez um bom trabalho. No fim, quando me dispus a pagar generosamente (500Kz=4€), o sacana diz-me que ainda falta dinheiro. Como vocês sabem, quem tenta ganhar tudo de uma vez comigo, perde um cliente. Mas a lata deles não conhece limites: dois dias depois, quando vou a sair para o trabalho, tinha o amigo dele a lavar-me o carro (que ainda não precisava) sem eu lhe pedir.
- Ah e tal, atiraram comida lá de cima.
- Não tenho dinheiro para te dar.
- Então e mais tarde?
- Depois, depois.
Andou o resto do dia e o dia seguinte a chagar-me o juízo cada vez que me via. Lá lhe dei 70 Kz (60 cêntimos) para não me chatear mais, e disse-lhe para não me voltar a lavar o carro sem que lhe pedisse.

> A nova Luanda
A nova metrópole desenvolve-se sobretudo em Belas, a sul da capital, com avenidas largas e infra-estruturas destinadas ao “p’ogresso” (como diria o nosso PR), como o centro de congressos e o Belas Shopping. Apenas dois reparos: primeiro, enquanto o alargamento da Estrada da Corimba não estiver concluído, metade do caminho faz lembrar o IC19 em obras, e a outra metade seguinte é comparável à estrada Caparica – praias em Agosto (acho que dá para terem uma ideia...); segundo, compreendo a necessidade do shopping para satisfazer os ocidentais, mas talvez não fosse necessário terem construído um espaço que nem parece estar em Angola.

> «Quemer» e «buber»
Ainda não houve muito tempo para experimentar a gastronomia típica; por enquanto, ficámo-nos pelos acompanhamentos: feijão manteiga em óleo de palma (muito bom) e fundje (uma massa feita à base de farinha de mandioca, que não é nada de especial nem em sabor nem em consistência). Muamba, até ao momento, só no título do blogue. :P

Quanto aos preços, vou ser curto e grosso: comer e beber em Angola é CARO! Exemplos? Já que o preço do arroz e do leite têm dado que falar em Portugal nos últimos meses, então vejam estes números e pasmem: um quilo de arroz, 1.29€; um litro de Mimosa meio-gordo, 1.72€! Uma garrafa de água de 1.5 litros fica no mínimo por 0.78€, uma lata de atum custa 1.59€, e uma de cogumelos não fica por menos de 2€. E o cúmulo da ironia é estar em África e um pacote de 250 gramas de café custar 4.30€...

Além disso, é fácil encontrar “frescos” que, honestamente, deviam ser chamados de “mornos”. No supermercado sul-africano do shopping da moda, vimos queijo e paio que devem ter sofrido um bocado – coitados – até chegarem ao frigorífico, carne e peixe que não sei bem se eram para comer ou se eram para olhar de longe, e iogurtes expostos no corredor do leite (muito bem, palmas para estes senhores!). E o slogan deles é “frescos de confiança”. Brincalhões!

Outro aspecto interessante é a liberdade de escolha, ou a falta dela. Quem mora nos arredores de uma capital europeia tem aproximadamente, e sem qualquer exagero, 14 hipermercados e 35 supermercados por concelho, 68 marcas por cada produto, e pouco falta para ser permitido fazer compras às duas da madrugada. Aqui, além do supermercado de bairro comparável ao Dia, e do supermercado sul-africano no shopping (no qual é raro encontrar uma marca portuguesa), há UM hipermercado, o Jumbo, aberto de 2ª a sábado, das 9 às... 19 horas! E é um oásis, porque dos sítios por onde passámos, é o que tem mais qualidade e variedade.

> «Oh trim-tim-tim, passear na rua»
Dois dos conselhos que mais ouvimos são trancar o carro assim que entramos e não andar a falar ao telemóvel na rua (ou melhor, não mostrar nada de valor na rua; por isso, se são tias de Cascais e não resistem a mostrar os oiros, não vêm cá fazer nada).

Como, só na nossa rua, nos últimos 6 meses houve um assalto e uma tentativa a pessoas da empresa, ando a mirar pelo canto do olho, desconfiado, quase toda a gente com quem nos cruzamos (já a Paula parece bem mais descontraída). Mas tenho de admitir que, pelo que vimos desde que chegámos, quem nos aborda no caminho entre casa e o supermercado são rapazes novos a pedir ou os vendedores ambulantes. Talvez o receio seja despropositado, ou talvez venha a ser a nossa defesa.

> O candongueiro
Em Luanda quase não há autocarros (porque são demasiado grandes para as ruas, e como não conseguem furar pelo trânsito demoram 2 horas a chegar ao destino), nem há táxis como os do “mundo ocidental”; há um enxame de carrinhas – maioritariamente Hiace – azuis e brancas que fazem um papel intermédio. O André, que está ali a meio caminho entre o aventureiro e o “ganda maluco”, teve a ousadia de experimentar este transporte, quando o motorista da empresa faltou. Eu quero acreditar que o privilégio de trabalhar para a concorrência me garante que nunca terei de passar pelo mesmo... :P

Estes furgões, na Europa, têm no máximo 9 lugares, mas aqui consegue-se inventar espaço para encaixar mais um banco. Só que a lotação é cabe-sempre-mais-um, nem que o cobrador tenha de ir com a bunda na janela!

São vistos como um mal necessário. Por um lado, servem demasiada gente para se poder passar sem eles. Por outro, os condutores destes táxis são tão imprevisíveis que até os restantes condutores, que estão longe de serem um exemplo de disciplina, fogem deles. E, à boa maneira taxista, as paragens de candongueiro são como o amor e a cag*neira: onde der vontade, e quem vier a seguir que espere.

Nota para o Lopes: não vamos encontrar a vossa Mitsubishi recém roubada com a matrícula original, mas o que não falta aqui são candongueiros e ligeiros com os autocolantes ovais com as letras D, DK, NL, etc. E, ocasionalmente, lá encontramos um furgão que ainda tem a publicidade da empresa portuguesa que ficou sem ele. :-D

> Circular
Há uma semana fui com o Miguel e a Ana à baixa, porque eles queriam despedir-se da chefe e eu ainda não a conhecia.

Aqui, esqueçam lá os optimistas 20 a 40 Km/h de que “falei” anteriormente! Tirem-lhe o zero!!! O único evento vagamente comparável em Portugal, é quando, a 31 de Julho, meia Lisboa quase se atropela a caminho do Algarve. Só que, em Luanda, encaixam três filas de trânsito onde em Lisboa encaixam duas... e... andam scooters conduzidas por rapazes sem capacete (estão em vias de ser proibidos, porque atrapalham a identificação de quem anda a roubar por esticão!) a serpentear à toa pelas nesgas entre os carros... e... quase ninguém atravessa nas poucas passadeiras que existem, e aqui e ali há uns maduros que se atiram para a estrada nas calmas e sem ver! Isto, já para não falar nos vendedores ambulantes: se nas ruas em que se anda devagar eles mostram as suas mercadorias na berma, naquelas em que quase não se anda, eles circulam também entre os carros. Ainda bem que a empresa fica perto de casa, aliás fica tão perto que até perdemos menos tempo no trânsito aqui do que em Portugal.

E não é só por o trânsito ser de loucos que é pouco aconselhável um europeu começar logo a conduzir em Luanda mal chega. É que os polícias de trânsito, como sabem que os “pulas” têm mais dinheiro que os locais, quando vêem um tentam logo sacar dinheiro para uma “gasosa”. É conveniente ter uma cópia autenticada do passaporte para evitar passar-lhes o original para a mão.

Só ao fim de dez dias tive todas as condições para pegar na “banheira” (um Vitara de 7 lugares e motor 2 litros V6 a gasolina, que bebe como um desalmado), o que me permitiu ir vendo como se faz para fazer o mesmo, e acho que não me saí mal. Um dia depois, o nosso guia estava relutante em nos encaminhar por um musseque para escapar a um mega-engarrafamento, e ficou surpreendido por não me ter feito rogado. Muitos ocidentais não o fariam, diz ele. Quatro dias depois, já por nossa conta, apanhámos trânsito a caminho do trabalho, decidi confiar no meu sentido de orientação para encontrar um caminho mais desafogado... e correu bem!

> A 5000 Km da Europa
Não me ocorreu subtítulo mais sugestivo para ilustrar a sensação de distância que tivemos durante a última semana. Já contávamos com falhas de energia, dependência do gerador, e net doméstica lenta. Na verdade, as falhas de energia não têm sido dramáticas (se bem que, depois da primeira, o ar-condicionado da sala começou a armar-se em parvo), apesar da bateria do gerador estar há 3 semanas à espera que um rapaz a venha cá trocar, e a net em duas semanas e meia funcionou duas noites.

Mais inesperada foi a avaria de um dos servidores da empresa, que a deixou um dia e meio sem mail e sem Internet. Isto, coincidindo com uma série de noites quase consecutivas em que o satélite de tv também quis dar um ar da sua graça. Após vários dias sem saber o que se passava em Portugal, lá apanhámos um telejornal e ficámos a pensar se foi mesmo há apenas duas semanas e picos que deixámos o rectângulo. Com que então a gasolina aí já vai em 1.48€ por litro? Deixem-me fazer-vos inveja: aqui custa 0.42€... E afinal, como ficou a luta pelo 2º lugar da Liga, e quem subiu? Já o Santana e o Jardim continuam na mesma, pelo que vemos. :-P

> Então e trabalhinho, hein?
Após cinco dias seguidos (feriado e fim-de-semana incluídos) de injecção de conhecimentos, veio a prova de fogo: em menos de uma manhã, já tinha um sul-africano e um chinês a contactarem-me em inglês macarrónico, o primeiro para saber o avanço dos projectos em curso, e o segundo a querer um encontro para acertar detalhes de um contrato em vias de ser assinado. Ainda por cima, durante o horário de trabalho, o Miguel estava de regresso a Lisboa, logo totalmente incontactável, o que me obrigou a desenvencilhar-me sozinho. Só faltava, ao fim da tarde, uma “pequena diferença de opiniões”, entretanto resolvida, de um dos portugueses do grupo (tinha de ser... os sacanas dos tugas são tramados). Digamos que foi um primeiro dia de trabalho cheio de emoções.

E as emoções têm continuado. Primeiro, porque houve pouco tempo para o Miguel e a Ana nos passarem todas informações que seria necessário, e a comunicação nem sempre tem sido possível no momento em que surgem as dúvidas. Depois, as funções da Paula também serão diferentes de qualquer coisa que já tenha feito, porque o lugar em que à partida se encaixaria melhor já tem uma cara, mais dedicada à formação e consultoria, .

À medida que os dias passam lá nos vamos adaptando, com o optimismo de que, quando a máquina estiver oleada, ficaremos com uma experiência que, há uns meses atrás, julgávamos impossível.

> Até à próxima...
E, pegando nas palavras que ouvimos há dias de um animador de rádio de Luanda, «volto quando Deus quiser»... :-D

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Chegada


29 de Abril de 2008, 23 horas, entro no avião da TAP com destino a Luanda e tenho a primeira surpresa. Esperava só ouvir falar português, mas vejo gente de várias origens: um inglês que reclama da demora no check-in e que não fala ou não quer falar português (esta alminha sabe ao que vai?!), dois franceses, um espanhol carrancudo ao meu lado no avião, e os inevitáveis chineses...

À chegada, na fila para mostrar o passaporte, já sentia, atrás de uma orelha, uma “comichão de boas-vindas”. Caramba, não perderam tempo! Sim, agora sei que o repelente devia ser posto antes de sair do avião. Podiam era ter dito antes... Mas não há-de ser nada.

O diálogo com o pessoal da alfândega, previamente ensaiado, correu sem sobressaltos. «Qual o motivo da visita?». «Dar formação de software», respondi eu sem pestanejar. Mais adiante repete-se a pergunta, dão-me nova ordem de passagem, e daí em diante sou eu que, com ar simples, me dirijo a todas as autoridades perguntando se é preciso alguma coisa, até porque um chinoca que fez vista grossa a um polícia foi logo mandado parar. Em menos de um fósforo, já estão ultrapassadas todas as barreiras e ninguém me pediu uma “gasosa”! Será que, ouvindo falar em dar formação a jovens angolanos, foram com a minha cara? Melhor.

Mala na mão, porta de saída à minha frente, alguns motoristas aguardam pessoal de outras empresas e... onde está o meu motorista? Telefono para o contacto que me deram, «ah e tal, já vai a caminho, mas está muito trânsito». Ok, eu espero, não há problema. Ou então... não. Ao fim de meia-hora de espera, sou abordado por alguém que podia ser o Batista, mas afinal queria só «uma ajuda para o colega, orienta lá 10 euros». Enrolo a conversa até ao ponto em que o Miguel me telefona, a dizer que decidiu ir buscar-me e está quase no aeroporto, que se eu ficar à espera do motorista nunca mais me safo. Termino a chamada e espero que o quase seja breve. «Um dia vou-te encontrar, vais precisar da minha ajuda e vais-te arrepender de não me teres ajudado», ouço da boca do gajo ao meu lado, que se prepara para virar costas depois da semi-ameaça.

Foi nesta altura que tive de tomar uma decisão rápida, e que agora sei que foi errada: abrir a carteira e dar-lhe a única nota que lá tinha (óbvio que o resto estava bem escondido...), para o gajo se ir embora satisfeito. Um agente passa, ralha com ele, o gajo desaparece com o dia ganho, e o agente pergunta se para ele não há nada! Surreal! Mostro a carteira cheia de ar e ganho alguns minutos de paz...

... Até ao momento em que tenho de atravessar escassos 20 metros de parque de estacionamento até à estrada. Aí já são 3 "ajudantes de bagagem", e a conversa oscila rapidamente entre um «não há motivo para estares nervoso, pá, só estamos a querer ajudar-te», «a gente carrega-te a mala» e um dúbio «um dia vais-te arrepender de não nos ter dado nada». Aqui, já está o Luís fora do jipe, a ajudar-me a levantar a mala para a bagageira, e a enxotá-los. Foi tudo muito rápido, porque a polícia não costuma perdoar paragens nem no parque de estacionamento (!), nem na berma daquela estrada. E apenas uma hora depois de chegar a Luanda já tinha aprendido a primeira lição: regra geral, a resposta certa aos pedidos de dinheiro deve ser sempre um redondo não.

Seguimos para a minha próxima descoberta, da qual só conhecia relatos, como o do André, que disse que existe o caos, e existe algo para além do caos, que é o trânsito de Luanda. A distância entre os carros oscila entre muito pouco e, quando alguém tem de se desviar de um carro mal parado, quase nada. Menos mal, a velocidade é baixa e mais ou menos regular, entre os 20 e os 40 Km/h (não há condições para mais). Pelo meio das filas, os peões vão atravessando sempre que apanham uma aberta de 4 ou 5 metros. Nas bermas, faz-se pela vida, exibindo para venda um cacho de bananas, uma montra de cadeados, de óculos de sol, ou de extensões eléctricas. Um camião pára à entrada de uma rotunda, toma lá a nota e dá cá a mercadoria. Mais adiante, acumulam-se dezenas e dezenas de carros a serem reparados na berma. Carros batidos, mas a circular, são também bastantes. Nos entroncamentos, a regra é a da alternância à força. Aquele não vai parar, mas travamos bem perto dele e furamos assim que ele passar, antes do que vem a seguir. Buzina-se se alguém tapa a passagem por mais de cinco segundos, refila-se, mas rapidamente se esquece. Por enquanto, vou observando; para a semana passo eu para o volante. Vai ser um rir que nunca mais acaba...

O resto do dia foi o normal numa empresa cujos directores têm poucos dias para passar a pasta a quem os vai substituir: toca a falar sobre o trabalho, não há tempo a perder.

Para fim de aventura de primeiro dia, faltava apenas pôr a conversa em dia com a Paula e os meus pais. Abro o voipcheap, todo lançado para telefonar à borla para Portugal, e zero. Messenger, zero. Tento enviar uma SMS via net para me telefonarem (ao menos só pago o roaming), o site da TMN mastiga, mastiga... e acabo por desistir. Começo a perceber as críticas do Miguel à net da Unitel. Tive de me rir quando vi o slogan «Faster than you want» na caixa do modem. Já quando tentei em vão carregar a foto, bastante reduzida, aqui para o blog, não tive grandes motivos para sorrisos, e também não achei piada aos 10 euros de saldo de telemóvel que voaram num dia...

Acabei por me esquecer da bolsa dos documentos - dentro da qual estava a chave da mala - no escritório da empresa. Não houve problema, tinha uma muda de roupa na mochila, tomei o meu duchezito, besuntei-me com Previpic, e fui para a cama escrever tudo o que me lembro deste dia até... «sentir presenças». Baptizei-a, carinhosamente, pequeno vector. Aqui não resisto a uma pequena provocação à minha pequenita (a original, a que não pica): deixas-me aqui sozinho por uns dias e, logo na primeira noite, há uma fêmea local que me vem assediar na cama, atraída pelo calor do meu corpo.

Como a rede mosquiteira estava dentro da mala e não havia cobertores, a única barreira entre mim e esta amigável criatura era um singelo lençol, o que, ao que sei, não é grande escudo. Pelo sim pelo não, tapei-me com o impermeável e liguei o ar-condicionado, para não assar. Foi então que fechei os olhos e pensei que Luanda queria disputar o slogan com Nova Iorque, tal a algazarra. Lembro-me de ter temido pelo meu descanso nas noites dos próximos dois anos. A seguir... acho que adormeci instantaneamente!