Nas minhas últimas férias, logo um ou dois dias depois de chegar a Portugal, surgiu-me a ideia de aparecer de surpresa na loja do nosso amigo Lopes. Foi também a oportunidade para reencontrar a mãe dele, que já não me via há mais de um ano, e me recebeu como nos recebem as mães dos nossos amigos quando nos reencontramos após uma longa temporada, sobretudo se nos mudamos para longe.
- Então filho? Como é que estás? Estás a adaptar-te lá a Angola?
- Bem... cada vez menos...
A minha confissão arrancou umas gargalhadas, mas era a mais pura das verdades. Há uns tempos atrás, a M.Jo atribuiu ao tecto encoberto e cinzento do cacimbo, os olhos “menos optimistas” com que o Afonso e o Júnior têm visto Angola recentemente. É uma visão poética, mas a realidade é mais fria, à semelhança do que o João Marcelo conta de Cabo Verde: passado o efeito novidade, dilui-se a tolerância quanto aos vícios desta sociedade tão diferente.
O problema não está nos polícias a inventarem os pretextos mais mirabolantes para se fazerem à gasosa; não está na espera desesperante pela chegada de equipamentos para as empresas; nem no gajo que vem na contramão a furar a fila de trânsito e de quem temos de nos desviar; nem na terceira substituição desnecessária do separador central da Avenida Revolução de Outubro em apenas um ano; nem nas obras de saneamento que cortam uma rua durante dois meses e que a deixaram na mesma com água dia-sim-dia-não, piso em terra e ainda acrescentaram três caixas de visita sem tampa; nem na péssima relação qualidade/preço prestada pela maior parte dos fornecedores de serviços. No fundo, é uma soma disto tudo e mais algumas coisas.
Não faltará quem sugira que ninguém está aqui obrigado e que o regresso ao país de origem é sempre uma opção. E, de facto, mais cedo ou mais tarde, o desfecho para a maior parte dos estrangeiros acaba por ser este. Existem excepções, obviamente, como a do português na casa dos 50, que se sente mais em casa em Angola do que em Portugal. Isto, apesar de um dia, há 15 anos, ter chegado com alguns colegas a uma casa na província, e ter encontrado dois ovos e nenhum sítio onde comprar mantimentos.
Quem voltar a casa depois de uma temporada em Angola terá a sensação de que cumpriu o seu dever o melhor possível, recebeu a sua recompensa, e regressará para a realidade em que formou a sua personalidade e a que está habituado. Quem fica, poderá ter estádios novos (se ficarem concluídos a tempo), arranha-céus novos, mas o dia-a-dia continuará o mesmo por mais umas décadas.
5 comentários:
"E aí? Você está gostando de lá?"
Pergunta difícil, essa. Eu ainda não sei responder. Ou sei, mas não quero.
Sinto algum desânimo, companheiro!!
Confirmo...
Olá Rad,
visito-o pela primeira vez e pela curiosidade do nome do seu blog que para mim foi bastante sugestivo.
Sou uma angolana de Luanda apaixonada pela minha terra e gostei muito da forma como descreve uma realidade que é triste mas espero ser ultrapassada.
Concordo consigo quando diz que vão demorar muitos anos.As mentalidades não se mudam de uma hora para a outra e acho que também há muita gente que não está minimamente interessada em mudar seja o que fôr.
Apesar de tudo isto, o meu sonho é voltar à terra para onde os meus bisavós foram e onde todos nascemos.
Gostei do seu espaço e vou linkar o seu blog o que espero não se incomode.
Cumprimentos, Ana Casanova
Cara Humana,
É sempre um prazer receber neste cantinho visitas de quem quer que o país melhore.
Claro que não me importo que link o meu blog, é até uma honra.
Cumprimentos,
Ricardo Silva
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