As urnas acabaram de fechar há pouco. Dezasseis anos depois, Angola voltou a votar. Grande parte já nem se lembra bem como era e para quem tem menos de 34 anos foi uma estreia absoluta. A ansiedade do povo poderá ser comparada à que se viveu em Portugal em 1975. É certo que a espera dos portugueses foi maior, mas durante a os angolanos metade do país estava em guerra e outra metade no marasmo.
À semelhança do que acontece em qualquer parte do mundo, ano de eleições é ano de inaugurações. Inauguraram-se escolas, hospitais, um supermercado (sim, leram bem, um supermercado, e fica o registo noticioso: JES comprou uma cesta de 14 produtos e pagou 4500 Kwanzas. Ainda bem que os repórteres estão sempre em cima do acontecimento...) e, como não podia deixar de ser, inaugararam-se obras. A mensagem a passar foi «já fizemos isto, iniciámos aquilo, e se nos derem o vosso voto (de confiança) vamos fazer mais aqueloutro».
Ao longo dos anos brotou, como uma colónia de fungos, quase uma centena de partidos. A maior parte deles chegou a 2008 com a expressão de uma associação de moradores e, separado o trigo do joio, apenas 14 foram autorizados ir a votos. Apesar de todos os que sobraram terem recebido o mesmo subsídio do Estado para a campanha, dão-se alvíssaras a quem tiver encontrado propaganda dos partidos mais pequenos.
A propaganda foi bastante diferente daquela a que estamos habituados. "Lençois" de papel com imagens trabalhadas em Photoshop e slogans criados por publicitários, são raros, só o MPLA tem.
Cartazes colados nos muros, à espera que alguém os rasgue, também foram em número bem menor do que se vê na tugalândia (e ainda bem, só contribuem para a lixeirada).
Independentemente das convicções partidárias, parece ser unânime que a aproximação das eleições foi pelo menos um excelente pretexto para aplicar um pouco de maquilhagem na cidade. Um viaduto e os prédios que ligam o aeroporto à zona dos hoteis ganharam umas demãos de tinta que os rejuvenesceram umas décadas.
E as ruas e postes da cidade viram os seus tons mortiços cor-de-terra disfarçados por panos amarelos, vermelhos e pretos, cores da bandeira nacional. Ou seriam da bandeira do éme-pê-éle-á? Hmm... É que, por uma daquelas coincidências surpreendentes que a vida tem (not), as cores são as mesmas.
A UNITA parecia adormecida, mas surgiu na última semana pendurando bandeiras maiores que as da concorrência, e forrando as árvores com as suas cores.
À medida que a contagem decrescente se aproximava do fim, àparte o combate de argumentos e de pontos de vista políticos (que, mesmo ao nível popular, raramente registou atritos dignos de nota), os dois principais partidos dividiram a decoração das ruas da cidade. E assim, Luanda vestiu-se de gala para, como se ouvia hoje numa rádio, fazer o "votamento".
Mas chega de falar do folclore. O acto eleitoral propriamente dito, como já foi noticiado, teve uns contratempos. Comecemos pelo princípio: distribuir os eleitores pela assembleia de voto mais próxima da sua residência oficial, como se faz em Pt, aqui não funciona, porque a maior parte da população tem "residências oficiosas". Isto é, como os "nossos meninos" lá da empresa dizem, o angolano para fazer uma casa é tramado, basta ter uns tijolos, não interessam os papéis. A Comissão Nacional Eleitoral entendeu que, com comunicação wireless entre assembleias e pintando o dedo de quem concluia o seu dever cívico, estavam asseguradas as condições para permitir ao povo votar onde quisesse. O problema foi o material. Houve mesas de voto cujos boletins já se tinham esgotado 3 horas após a abertura das urnas, devido à afluência acima do previsto. E a situação mais difícil de explicar e aceitar foi que, noutras assembleias, as urnas, cadernos e boletins chegaram com atraso, situação que em Pt acontece pontualmente numa aldeia perdida na serra.
Aqui ao pé de casa, no centro da cidade, local onde trabalha muita gente e provavelmente muitos se recensearam, mas sem grande densidade de moradores, tudo ocorreu naturalmente. Hoje houve tolerância de ponto, por isso não houve correntes de gente a caminho dos escritórios.
A CNE anunciou, a meio do dia, que em vez de se encerrarem as urnas às 18, como previsto, só encerrariam quando não houvesse mais eleitores a quererem votar. Houve quem questionasse a legitimidade da CNE para tomar uma decisão à margem da constituição. A verdade é que as urnas acabaram por encerrar às 20, sem que toda a gente tivesse votado, e a UNITA já reinvidicou a repetição das eleições.
E os ânimos populares? Bem, é certo que falta esperar pelas reacções aos resultados (que, em 1992, foram o pretexto para os conflitos), mas pelo menos para já quase todos os angolanos pareciam fazer questão em usufruir deste 5 de Setembro de um modo diferente dos outros dias. Sem stress, mas com emoção. Um jornalista de exteriores da Rádio Eclésia, chamado pelos colegas dos estúdios para intervir em directo, não resistiu a começar a reportagem anunciando «senhores ouvintes, primeiro que tudo deixem que vos diga como estou feliz, pois acabei de exercer o meu direito de voto».
Aqui ao pé de casa, no centro da cidade, local onde trabalha muita gente e provavelmente muitos se recensearam, mas sem grande densidade de moradores, tudo ocorreu naturalmente. Hoje houve tolerância de ponto, por isso não houve correntes de gente a caminho dos escritórios.
A CNE anunciou, a meio do dia, que em vez de se encerrarem as urnas às 18, como previsto, só encerrariam quando não houvesse mais eleitores a quererem votar. Houve quem questionasse a legitimidade da CNE para tomar uma decisão à margem da constituição. A verdade é que as urnas acabaram por encerrar às 20, sem que toda a gente tivesse votado, e a UNITA já reinvidicou a repetição das eleições.
E os ânimos populares? Bem, é certo que falta esperar pelas reacções aos resultados (que, em 1992, foram o pretexto para os conflitos), mas pelo menos para já quase todos os angolanos pareciam fazer questão em usufruir deste 5 de Setembro de um modo diferente dos outros dias. Sem stress, mas com emoção. Um jornalista de exteriores da Rádio Eclésia, chamado pelos colegas dos estúdios para intervir em directo, não resistiu a começar a reportagem anunciando «senhores ouvintes, primeiro que tudo deixem que vos diga como estou feliz, pois acabei de exercer o meu direito de voto».
3 comentários:
Eu ainda gostava de ver uma eleições em Portugal sem recenceamento eleitoral, onde cada um pode votar onde quiser e andar com o dedo pintado a negro durante uns meses.
Abraços
A Mendes
Bem, houve recenseamento. Mas o erro da CNE foi não ter dito logo de início para cada um se recensear perto de casa. Quiseram evitar a confusão no recenseamento, e acabaram por provocá-la no dia das eleições.
A minha grande dúvida é acerca das faixas coloridas. Não será que os angolanos tentaram homenagear o Muamba-banana-e-cola, vestindo Luanda com as cores deste blog?
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