quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

O som do metal de um revólver no vidro


Ontem, ao fim do expediente, o Afonso telefonou a avisar que uma das ruas do Prenda estava novamente cortada por causa das obras. É uma cena recorrente, ao estilo de qualquer novela da TVI, em que nada de novo ou dignificante acontece: em cada repetição, aguardamos com ansiedade que seja finalmente aplicado um sólido tapete de alcatrão sobre a “superfície lunar”, mas quando o trânsito é restabelecido encontramos um tapete de cascalho e terra, que os esgotos que escorrem pelo bairro se encarregam de corroer novamente.

Trata-se da rua que liga a empresa ao centro da cidade, isto é, à nossa casa e a qualquer cliente que tenhamos de visitar durante o expediente. Também já houve uma ocasião em que cortaram a rua da nossa empresa a escassas centenas de metros desta, o que nos obrigou a dar corda aos sapatos. Dada a zona, e o episódio ocorrido ao cair do pano deste 10 de Fevereiro, esse exercício banal não se voltará a repetir.

Estivemos até depois das oito da noite a planear estratégias de trabalho com a nossa colega I., e acreditámos que àquela hora a tal rua já estaria aberta ao trânsito. Deviamos ter percebido, pela posição das barreiras, que tinham sido desviadas pelos moradores da rua e não totalmente retiradas pelos trabalhadores. O engarrafamento monstruoso, alguns metros adiante, não deixava grandes esperanças, e quando vimos parte do pelotão a desviar para uma estrada transversal, decidimos seguir quem conhecia os arredores, certos que tinham o mesmo destino que nós. Até determinado ponto do trajecto, tudo correu bem, mas já no Bairro do Cassenda, o trânsito voltou a parar.

Subitamente, um gandulo abordou a janela do pendura. Por uma fracção de segundo pareceu-me um vendedor ou um crava, mas as batidas no vidro e a ordem para abrir a porta soavam-me invasivas e agressivas demais. Quando vi o amigo dele, do meu lado, reforçando a ordem para abrir o carro com um revólver na mão, vi o caso mal parado. Resistir era um risco, mas abrir a porta seria baixar excessivamente a guarda, por isso apenas pedi à Paula para me passar imediatamente o dinheiro que tivéssemos na carteira, esperando que isso salvasse os passaportes (já era tempo de termos tratado da cópia autenticada). O som do metal de um revólver no vidro esquerdo, e de uma garrafa de cerveja no vidro direito, em coro com o baque oco dos puxadores das portas, fizeram parecer horas aqueles escassos segundos até as notas aparecerem. Abri o vidro e entreguei o maço de kwanzas ao que tinha a arma.

- Abre, c******! – insistiu.
- É todo o dinheiro que temos, a sério.
- Então dá o telemóvel.

Nem pestanejei. Deitei a mão ao bolso e entreguei-lhe o telemóvel da empresa (incluindo o cartão com os contactos de clientes) com tamanha rapidez que ele não pôs em causa que lhe dera tudo o que tinhamos de valor. Remédio santo, abandonaram o nosso carro, e não posso dizer que se tenham afastado demasiado depressa para o meu gosto.

O pior já tinha passado, mas a sensação de fragilidade mantinha-se. E se voltassem? E se, até ao fim daquele engarrafamento, outro grupo nos abordasse? Decidi fazer inversão de marcha e regressar ao Prenda, para vistas mais conhecidas. Nos primeiros minutos, a ansiedade de lá chegar era tanta que quase me apetecia levar tudo à frente. O medo já não era tão intenso, mas ainda não desaparecera completamente.

Ao fim de meia-hora já consegui gozar com a situação: como detesto a Nokia, de certa forma não tinha sido assaltado; podia dizer-se que tinha pago uns kwanzas a um brother para me livrar daquele trambolho. O prolongamento da comédia deu-se esta manhã, quando o M., o homem da logística da empresa, decidiu telefonar para o meu "ex-telemóvel "para falar com o ladrão, só para o sondar:

- Temos de nos encontrar, você tem de me ajudar, eu preciso do telemóvel.
- Ya, quanto é que você quer pagá?
- Não, você é que tem de dizer o preço que quer.
- Cem dólares...

Revendo a situação, encaramo-la como se de uma lição se tratasse (tal como um recém-encartado que só modera o seu excesso de confiança depois de enfiar o carro na traseira do vizinho da frente): não voltar a sair do trabalho àquelas horas absurdas e não voltar a frequentar certos trajectos, independentemente da hora. Felizmente o preço do banho de consciência ficou-se pelos danos materiais.

5 comentários:

Afonso Loureiro disse...

100 dólares por um telefone de 30... andam alucinados.

Anónimo disse...

Livra! Que susto!
Desejo que não se repita.

Beijinhos.
Tia

Anónimo disse...

Tendo em atenção o local onde se encontram e o clima que reina nessas paragens penso que vocês se expõe demasiado. São demasiados pormenores sobre as vossas vidas, muitas fotos que vos identificam, até a rua onde vivem e o próprio andar, só falta dar o número da porta e o período de ausência. Tenham cuidado!

André disse...

Bolas!! Cagaço, hã!?
Fizeram o melhor...dar, sem pestanejar.
100 dólares!?...isso é que se chama micro economia, não!? :P

RAD disse...

Caro visitante,

Agradeço sinceramente a preocupação, mas tenho motivos para acreditar que o risco (que pretendemos evitar) estará por aí em Luanda, não à nossa porta. E até a descobrirem têm 1.5 Km para percorrer... ;)