quinta-feira, 1 de maio de 2008

Chegada


29 de Abril de 2008, 23 horas, entro no avião da TAP com destino a Luanda e tenho a primeira surpresa. Esperava só ouvir falar português, mas vejo gente de várias origens: um inglês que reclama da demora no check-in e que não fala ou não quer falar português (esta alminha sabe ao que vai?!), dois franceses, um espanhol carrancudo ao meu lado no avião, e os inevitáveis chineses...

À chegada, na fila para mostrar o passaporte, já sentia, atrás de uma orelha, uma “comichão de boas-vindas”. Caramba, não perderam tempo! Sim, agora sei que o repelente devia ser posto antes de sair do avião. Podiam era ter dito antes... Mas não há-de ser nada.

O diálogo com o pessoal da alfândega, previamente ensaiado, correu sem sobressaltos. «Qual o motivo da visita?». «Dar formação de software», respondi eu sem pestanejar. Mais adiante repete-se a pergunta, dão-me nova ordem de passagem, e daí em diante sou eu que, com ar simples, me dirijo a todas as autoridades perguntando se é preciso alguma coisa, até porque um chinoca que fez vista grossa a um polícia foi logo mandado parar. Em menos de um fósforo, já estão ultrapassadas todas as barreiras e ninguém me pediu uma “gasosa”! Será que, ouvindo falar em dar formação a jovens angolanos, foram com a minha cara? Melhor.

Mala na mão, porta de saída à minha frente, alguns motoristas aguardam pessoal de outras empresas e... onde está o meu motorista? Telefono para o contacto que me deram, «ah e tal, já vai a caminho, mas está muito trânsito». Ok, eu espero, não há problema. Ou então... não. Ao fim de meia-hora de espera, sou abordado por alguém que podia ser o Batista, mas afinal queria só «uma ajuda para o colega, orienta lá 10 euros». Enrolo a conversa até ao ponto em que o Miguel me telefona, a dizer que decidiu ir buscar-me e está quase no aeroporto, que se eu ficar à espera do motorista nunca mais me safo. Termino a chamada e espero que o quase seja breve. «Um dia vou-te encontrar, vais precisar da minha ajuda e vais-te arrepender de não me teres ajudado», ouço da boca do gajo ao meu lado, que se prepara para virar costas depois da semi-ameaça.

Foi nesta altura que tive de tomar uma decisão rápida, e que agora sei que foi errada: abrir a carteira e dar-lhe a única nota que lá tinha (óbvio que o resto estava bem escondido...), para o gajo se ir embora satisfeito. Um agente passa, ralha com ele, o gajo desaparece com o dia ganho, e o agente pergunta se para ele não há nada! Surreal! Mostro a carteira cheia de ar e ganho alguns minutos de paz...

... Até ao momento em que tenho de atravessar escassos 20 metros de parque de estacionamento até à estrada. Aí já são 3 "ajudantes de bagagem", e a conversa oscila rapidamente entre um «não há motivo para estares nervoso, pá, só estamos a querer ajudar-te», «a gente carrega-te a mala» e um dúbio «um dia vais-te arrepender de não nos ter dado nada». Aqui, já está o Luís fora do jipe, a ajudar-me a levantar a mala para a bagageira, e a enxotá-los. Foi tudo muito rápido, porque a polícia não costuma perdoar paragens nem no parque de estacionamento (!), nem na berma daquela estrada. E apenas uma hora depois de chegar a Luanda já tinha aprendido a primeira lição: regra geral, a resposta certa aos pedidos de dinheiro deve ser sempre um redondo não.

Seguimos para a minha próxima descoberta, da qual só conhecia relatos, como o do André, que disse que existe o caos, e existe algo para além do caos, que é o trânsito de Luanda. A distância entre os carros oscila entre muito pouco e, quando alguém tem de se desviar de um carro mal parado, quase nada. Menos mal, a velocidade é baixa e mais ou menos regular, entre os 20 e os 40 Km/h (não há condições para mais). Pelo meio das filas, os peões vão atravessando sempre que apanham uma aberta de 4 ou 5 metros. Nas bermas, faz-se pela vida, exibindo para venda um cacho de bananas, uma montra de cadeados, de óculos de sol, ou de extensões eléctricas. Um camião pára à entrada de uma rotunda, toma lá a nota e dá cá a mercadoria. Mais adiante, acumulam-se dezenas e dezenas de carros a serem reparados na berma. Carros batidos, mas a circular, são também bastantes. Nos entroncamentos, a regra é a da alternância à força. Aquele não vai parar, mas travamos bem perto dele e furamos assim que ele passar, antes do que vem a seguir. Buzina-se se alguém tapa a passagem por mais de cinco segundos, refila-se, mas rapidamente se esquece. Por enquanto, vou observando; para a semana passo eu para o volante. Vai ser um rir que nunca mais acaba...

O resto do dia foi o normal numa empresa cujos directores têm poucos dias para passar a pasta a quem os vai substituir: toca a falar sobre o trabalho, não há tempo a perder.

Para fim de aventura de primeiro dia, faltava apenas pôr a conversa em dia com a Paula e os meus pais. Abro o voipcheap, todo lançado para telefonar à borla para Portugal, e zero. Messenger, zero. Tento enviar uma SMS via net para me telefonarem (ao menos só pago o roaming), o site da TMN mastiga, mastiga... e acabo por desistir. Começo a perceber as críticas do Miguel à net da Unitel. Tive de me rir quando vi o slogan «Faster than you want» na caixa do modem. Já quando tentei em vão carregar a foto, bastante reduzida, aqui para o blog, não tive grandes motivos para sorrisos, e também não achei piada aos 10 euros de saldo de telemóvel que voaram num dia...

Acabei por me esquecer da bolsa dos documentos - dentro da qual estava a chave da mala - no escritório da empresa. Não houve problema, tinha uma muda de roupa na mochila, tomei o meu duchezito, besuntei-me com Previpic, e fui para a cama escrever tudo o que me lembro deste dia até... «sentir presenças». Baptizei-a, carinhosamente, pequeno vector. Aqui não resisto a uma pequena provocação à minha pequenita (a original, a que não pica): deixas-me aqui sozinho por uns dias e, logo na primeira noite, há uma fêmea local que me vem assediar na cama, atraída pelo calor do meu corpo.

Como a rede mosquiteira estava dentro da mala e não havia cobertores, a única barreira entre mim e esta amigável criatura era um singelo lençol, o que, ao que sei, não é grande escudo. Pelo sim pelo não, tapei-me com o impermeável e liguei o ar-condicionado, para não assar. Foi então que fechei os olhos e pensei que Luanda queria disputar o slogan com Nova Iorque, tal a algazarra. Lembro-me de ter temido pelo meu descanso nas noites dos próximos dois anos. A seguir... acho que adormeci instantaneamente!

7 comentários:

Lopesco disse...

Boas!
Gostei do blog! Vai botando mais!

Abreijos lusos!

Lopes

Trebaruna disse...

Olá Ricardo,
Vi hoje o teu blog!!
Apenas uma palavra igual à que mencionaste num dos parágrafos:surreal.
Mas é uma grande aventura, continua a escrever. Por mim, estou a gostar muito de ler. Isto já dava uma bela reportagem... ai ai

Beijocas e boa sorte (bem vais precisar) ;-)

Sofia Reis

Unknown disse...

Olá migo!!

Adorei o blog...
Que "selva"!!!

Beijos grandes
Olga

Nuno Leal disse...

Olá, primo! Bem vindo a estas terras quentes e humidas de Angola. E deixa-me dizer-te uma coisa: TÓTÓ! :) Então "orienta lá 10 euros" e abres a carteira e orientas mesmo???? Oh pá, enquanto não ficaste sem carteira e tudo o que estava dentro dela... A resposta é uma só: não tem, não pode, quando vier eu dou, etc... De resto, espero que tenhas sorte nesta tua "aventura" e vou seguindo os teus passos por aqui. Quando vieres ao Lobito, avisa! Abraço do tamanho de África,
Nuno

HArede disse...

Oi! Ricardo,

Eu e a Anabela gostámos muito da tua "veia artística" para a escrita com ironia e piada que é uma "coisa" que já não se vê com frequência...
Estou seriamente a pensar ilustrar com alguns "bonecos" o teu txt...
Vamos ver o que isto dá...

Vai continuando, sempre que te dê na gana...

RAD disse...

Amigos, obrigado pelas vossas palavras, espero que as próximas "postas" sejam do vosso agrado.

@Primo: só acontece uma vez... ;)

@Henrique: uma BD baseada nestas desventuras era uma excelente ideia!

André disse...

Muito bom xor Ricardo!

Boa escrita e bom espirito...que vais precisar em muitas situações!

Boa sorte e sorri sempre! lol

Abraço...