> E depois do voto, a festa
Há dias contei-vos que um repórter de rádio não resistiu a partilhar a sua alegria com os ouvintes, poucos minutos depois de ter votado. Alegria, pela reconquista da liberdade de escolha, e orgulho, pela oportunidade de contribuir para o progresso do país, têm sido os sentimentos dominantes nestes dias. Os receios de anulação e repetição das eleições ou, pior, de um Take II das anteriores, dissiparam-se em algumas horas. A tinta ainda hoje se via em alguns dedos, e os sorrisos vão durar ainda mais. Mas que não se pense que o povo não vai cobrar o voto de confiança...
> Avassalador
81% para o MPLA e 10% para a UNITA. Já se esperava a vitória, a dúvida era quanto aos valores, e possivelmente não se esperava que fossem tão desequilibrados, muito mais do que em 1992. A verdade é que o povo, apesar de aqui e ali se ouvirem algumas críticas, reconhece que o MPLA tem algum mérito na transformação iniciada nos últimos anos, e não esquece que tudo o que sofreu devido à guerra foi desencadeado pela recusa de Savimbi em reconhecer os resultados das eleições anteriores. Aliás, o tom da UNITA amenizou-se depois de perceber que, se pusesse de novo em causa as eleições, aos olhos do povo perderia ainda mais. A CNE já rejeitou o pedido de impugnação, porque este não seguiu os devidos procedimentos formais e não apresenta elementos de prova. Arquive-se, e daqui a 4 anos voltamos a falar.
> Os dois lados das notícias
Não é de hoje que sei que, para se conhecer uma história, convém ouvir as duas (ou mais versões) e "fazer a média". Assim, fui ouvindo as rádios angolanas, espreitando os blogues Diário da África e Memórias da África, e em ambas as fontes pude ter acesso aos argumentos da CNE e da oposição.
Tive a ilusão de que o blog do repórter da RTP pudesse acrescentar alguma coisa, mas a maior parte do sumo está nos comentários que recebeu. Pelo posts dele, e pelo que soube que a SIC noticiou e o que não noticiou, posso dizer-vos que a "filtragem" de informações emitidas nesse rectângulo excedeu as minhas expectativas mais pessimistas.
Exemplos: Luís Castro diz que das 320 assembleias que registaram problemas no dia 5, mais de 100 não abriram no dia 6, mas não se preocupou em referir qual o argumento da CNE (falacioso ou não, não lhe cabe julgar); elogiou a atitude cautelosa da chefe dos observadores da UE no sábado, ao anunciarem que só voltarão a falar no fim do processo, quando a senhora Luisa Morgantini só começou a ser cautelosa depois de perceber que, inadvertidamente, deu argumentos a uma força política para questionar o processo eleitoral (a propósito dos observadores, convido-vos a ler isto); diz ainda que Savakuma afirmou «os factos indicam que os resultados finais não reflectem rigorosamente a vontade expressa nas urnas pelo povo angolano», quando o líder da UNITA, no discurso, substituiu, e isto pode até ser um mero detalhe, mas não deveria ter sido ignorado, o «não reflectem» das cópias entregues à imprensa por um mais comedido, «poderão não reflectir»; a SIC Notícias passou o sábado a repetir que a UNITA pediu impugnação e repetição das eleições 8 dias depois, e não se preocupou em transmitir o comunicado da CNE, na qual esta dava as suas justificações para abrir as assembleias no dia seguinte (questionáveis ou não, era obrigação da SIC noticiá-las).
Fica o aviso aí para "casa": até que ponto nos podemos considerar informados, quando nos limitamos a ver o que dizem as televisões?
> Estrangeiros em Angola durante as eleições
Há uns meses, não queriamos arriscar estar cá durante as eleições, mas os planos saíram-nos furados, porque só pudemos marcar férias para a segunda metade de Setembro. Há uns dias, um cliente israelita que já mora há anos em Luanda, na véspera de viajar para o exterior, perguntava-me, disfarçando muito mal a sua surpresa, se ia ficar em Angola nestes dias.
Pois deixem-me que vos diga que os receios foram infundados e, acima de tudo, foi um enorme privilégio poder assistir de perto a este momento histórico deste país. «Eu vou» ao Rock in Rio? Bah, isso é para betinhos! Eu estive em Angola durante legislativas de 2008!
Não é de hoje que sei que, para se conhecer uma história, convém ouvir as duas (ou mais versões) e "fazer a média". Assim, fui ouvindo as rádios angolanas, espreitando os blogues Diário da África e Memórias da África, e em ambas as fontes pude ter acesso aos argumentos da CNE e da oposição.
Tive a ilusão de que o blog do repórter da RTP pudesse acrescentar alguma coisa, mas a maior parte do sumo está nos comentários que recebeu. Pelo posts dele, e pelo que soube que a SIC noticiou e o que não noticiou, posso dizer-vos que a "filtragem" de informações emitidas nesse rectângulo excedeu as minhas expectativas mais pessimistas.
Exemplos: Luís Castro diz que das 320 assembleias que registaram problemas no dia 5, mais de 100 não abriram no dia 6, mas não se preocupou em referir qual o argumento da CNE (falacioso ou não, não lhe cabe julgar); elogiou a atitude cautelosa da chefe dos observadores da UE no sábado, ao anunciarem que só voltarão a falar no fim do processo, quando a senhora Luisa Morgantini só começou a ser cautelosa depois de perceber que, inadvertidamente, deu argumentos a uma força política para questionar o processo eleitoral (a propósito dos observadores, convido-vos a ler isto); diz ainda que Savakuma afirmou «os factos indicam que os resultados finais não reflectem rigorosamente a vontade expressa nas urnas pelo povo angolano», quando o líder da UNITA, no discurso, substituiu, e isto pode até ser um mero detalhe, mas não deveria ter sido ignorado, o «não reflectem» das cópias entregues à imprensa por um mais comedido, «poderão não reflectir»; a SIC Notícias passou o sábado a repetir que a UNITA pediu impugnação e repetição das eleições 8 dias depois, e não se preocupou em transmitir o comunicado da CNE, na qual esta dava as suas justificações para abrir as assembleias no dia seguinte (questionáveis ou não, era obrigação da SIC noticiá-las).
Fica o aviso aí para "casa": até que ponto nos podemos considerar informados, quando nos limitamos a ver o que dizem as televisões?
> Estrangeiros em Angola durante as eleições
Há uns meses, não queriamos arriscar estar cá durante as eleições, mas os planos saíram-nos furados, porque só pudemos marcar férias para a segunda metade de Setembro. Há uns dias, um cliente israelita que já mora há anos em Luanda, na véspera de viajar para o exterior, perguntava-me, disfarçando muito mal a sua surpresa, se ia ficar em Angola nestes dias.
Pois deixem-me que vos diga que os receios foram infundados e, acima de tudo, foi um enorme privilégio poder assistir de perto a este momento histórico deste país. «Eu vou» ao Rock in Rio? Bah, isso é para betinhos! Eu estive em Angola durante legislativas de 2008!
2 comentários:
Caro autor (*):
Permita-me observar que:
Não é de agora e nem apenas no caso das eleições angolanas que os media manipulam a informação...
As guerrinhas dos jornalistas portugueses contra jornalistas portugueses, são muuiiiito pequeninas.
Ainda não vi/consegui ler a opinião de nemhum dos intelectuais da velha guarda do MPLA... estão muito calados ...e insatisfeitos também...
Não sei se o Agualusa é ou não o autor desta frase, mas mesmo que não seja, ela diz tudo: "Nem o MPLA estava preparado para perder, nem a Unita estava preparada para ganhar"...
Eu digo que é uma pena que a Unita não esteja à altura para fazer verdadeira oposição...
E que é uma pena que Angola esteja hipotecada às Multinacionais...
E que por não se dar aos Angolanos o nível de informação que eles merecem e muito menos por não se lhes facultar acesso à educação, à saúde, a terem uma vida digna, uns poucos se sirvam disso para se tornarem multimilionários...com o compadrio da UE, dos USA e dos emergentes chineses e brasileiros...
Rock in Rio?? Parafraseando alguém e em jeito de metáfora : "Depois de se ter estado no Sudoeste não se consegue ir ao...";
Admiro e amo todos os angolanos que todos os dias sobrevivem com menos do que nada. Tiro deles lições diárias...
Ainda bem que pode estar aí e testemunhar in loco...olhe, e não faça já a festa. Espere uns tempos. Porque os angolanos vão cobrar o voto. Ai vão, vão!
Tudo de Bom!
(*) não consegui encontrar o seu nome, desculpe.
Caro amigo,
Em relação aos media, bem sei, bem sei. Mas aproveitei esta oportunidade para alertar quem me lê a partir do rectângulo.
Também eu, que cheguei a Angola apenas há 4 meses, tenho descoberto um povo que luta pelo pão de cada dia (se bem que, por outro lado, também há a juventude que se habituou durante a guerra a sobreviver da mendicidade e do biscate, e hoje não honra o suor dos seus mais velhos).
Faço a festa por este capítulo da História de Angola, mas também me parece que no próximo capítulo será esperado o retorno do voto de confiança. Tenho esperança que os eleitos estejam conscientes que o “cheque em branco” do eleitorado não é vitalício nem incondicional. Quero acreditar que, independentemente dos interesses económicos, comuns em qualquer parte do mundo, o Estado irá, aos poucos, melhorar as condições de vida do povo. Provavelmente menos do que estaria ao seu alcance com os recursos que o país tem, mas antes pouco que nada.
Um abraço
Ricardo
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