terça-feira, 14 de julho de 2009

Cacimbo... ou fim do estado de graça?


Nas minhas últimas férias, logo um ou dois dias depois de chegar a Portugal, surgiu-me a ideia de aparecer de surpresa na loja do nosso amigo Lopes. Foi também a oportunidade para reencontrar a mãe dele, que já não me via há mais de um ano, e me recebeu como nos recebem as mães dos nossos amigos quando nos reencontramos após uma longa temporada, sobretudo se nos mudamos para longe.

- Então filho? Como é que estás? Estás a adaptar-te lá a Angola?
- Bem... cada vez menos...

A minha confissão arrancou umas gargalhadas, mas era a mais pura das verdades. Há uns tempos atrás, a M.Jo atribuiu ao tecto encoberto e cinzento do cacimbo, os olhos “menos optimistas” com que o Afonso e o Júnior têm visto Angola recentemente. É uma visão poética, mas a realidade é mais fria, à semelhança do que o João Marcelo conta de Cabo Verde: passado o efeito novidade, dilui-se a tolerância quanto aos vícios desta sociedade tão diferente.

O problema não está nos polícias a inventarem os pretextos mais mirabolantes para se fazerem à gasosa; não está na espera desesperante pela chegada de equipamentos para as empresas; nem no gajo que vem na contramão a furar a fila de trânsito e de quem temos de nos desviar; nem na terceira substituição desnecessária do separador central da Avenida Revolução de Outubro em apenas um ano; nem nas obras de saneamento que cortam uma rua durante dois meses e que a deixaram na mesma com água dia-sim-dia-não, piso em terra e ainda acrescentaram três caixas de visita sem tampa; nem na péssima relação qualidade/preço prestada pela maior parte dos fornecedores de serviços. No fundo, é uma soma disto tudo e mais algumas coisas.

Não faltará quem sugira que ninguém está aqui obrigado e que o regresso ao país de origem é sempre uma opção. E, de facto, mais cedo ou mais tarde, o desfecho para a maior parte dos estrangeiros acaba por ser este. Existem excepções, obviamente, como a do português na casa dos 50, que se sente mais em casa em Angola do que em Portugal. Isto, apesar de um dia, há 15 anos, ter chegado com alguns colegas a uma casa na província, e ter encontrado dois ovos e nenhum sítio onde comprar mantimentos.

Quem voltar a casa depois de uma temporada em Angola terá a sensação de que cumpriu o seu dever o melhor possível, recebeu a sua recompensa, e regressará para a realidade em que formou a sua personalidade e a que está habituado. Quem fica, poderá ter estádios novos (se ficarem concluídos a tempo), arranha-céus novos, mas o dia-a-dia continuará o mesmo por mais umas décadas.

5 comentários:

m.Jo. disse...

"E aí? Você está gostando de lá?"
Pergunta difícil, essa. Eu ainda não sei responder. Ou sei, mas não quero.

André disse...

Sinto algum desânimo, companheiro!!

RAD disse...

Confirmo...

Ana Casanova disse...

Olá Rad,
visito-o pela primeira vez e pela curiosidade do nome do seu blog que para mim foi bastante sugestivo.
Sou uma angolana de Luanda apaixonada pela minha terra e gostei muito da forma como descreve uma realidade que é triste mas espero ser ultrapassada.
Concordo consigo quando diz que vão demorar muitos anos.As mentalidades não se mudam de uma hora para a outra e acho que também há muita gente que não está minimamente interessada em mudar seja o que fôr.
Apesar de tudo isto, o meu sonho é voltar à terra para onde os meus bisavós foram e onde todos nascemos.
Gostei do seu espaço e vou linkar o seu blog o que espero não se incomode.
Cumprimentos, Ana Casanova

RAD disse...

Cara Humana,

É sempre um prazer receber neste cantinho visitas de quem quer que o país melhore.

Claro que não me importo que link o meu blog, é até uma honra.

Cumprimentos,
Ricardo Silva