Quando viemos para Angola já sabíamos que não íamos mudar o país. Provavelmente nem temos o direito de exigir que alguma coisa seja mudada. Somos estrangeiros, temos outros hábitos, a nossa obrigação deverá ser adaptarmo-nos. Em Portugal também não aceitaria deparar-me com motas em contramão, encontrar montes de latas e garrafas de cerveja partidas, ou ser impedido de dormir por festas barulhentas.
Isto não implica que, tendo percebido que os meninos com quem trabalhamos não estão nivelados pela média mwangolé, desperdicemos oportunidades para comparar os quotidianos dos dois países, não pela via do bota-abaixo do país deles, mas para lhes aguçar a exigência por mais qualidade de vida.
Recentemente, foram eles próprios que puxaram o assunto da economia e ecologia. A Lúcia comentava que os primos que estão em Portugal e vieram passar umas semanas a casa dela entraram em choque com o desperdício de electricidade e de sacos de plástico; o Carlos absorvia atento os nossos relatos sobre a separação de lixos, utilização de lâmpadas economizadoras, desenvolvimento de tecnologias que permitem ter automóveis menos gastadores e poluentes, aumento da produção de electricidade a partir da energia solar e eólica, e concluiu que Angola poderá, daqui a alguns anos, não ter a quem vender petróleo. Daí saltámos para a necessidade de desenvolver a agricultura, o turismo e a produção alimentar e tecnológica, para diminuir a dependência da economia do país de uma indústria suja e que, felizmente, acabou de entrar em decadência. O João, ao ouvir falar em redutores de caudal nas torneiras e em desligar luzes quando não são necessárias, comentou que a filosofia que se vive por cá é «paguei, tenho o direito de esbanjar», bem diferente da nossa preocupação colectiva. E todos acharam graça quando comentei que uma tarde sem multibanco ou sem electricidade nos arredores de Lisboa é notícia de jornal.
São apenas três jovens, de um universo de 5 milhões de pessoas que se amontoam numa cidade cuja população aumentou 900% em 35 anos. Uma população que, na sua maioria, acha normal que falte a água e a luz várias vezes por semana, não tem serviços de saúde dignos, mas para quem desde que tenham um um carro com jantes cromadas e gasolina subsidiada pelo Estado, cerveja barata, festa ao fim-de-semana e o telemóvel da moda (mesmo que não consigam fazer chamadas porque a rede não funciona), está tudo bem.
A propósito das faltas de luz: eu até aceito que tenha faltado a luz no domingo passado e neste sábado (antes isso do que dia-sim-dia-sim, como no Cassenda); o que me lixa é que falte durante 18 horas de cada vez porque os senhores da manutenção da EDEL estão a curtir as Cucas que beberam na festa da madrugada anterior.