sábado, 24 de janeiro de 2009

O que pensam os angolanos dos portugueses?


A vida tem-me ensinado que nada é totalmente preto ou branco - a escolha de palavras não é inocente -, tudo se distribui de forma mais ou menos uniforme pelos tons mistos.

Temos a sorte de trabalhar com aquelas que são, provavelmente, das melhores pessoas de Angola. Vá-se lá saber porquê, a nossa chefe angolana já tem atirado o barro à parede para ficarmos mais do que os três anos combinados, a gerente angolana não quer falar nem pensar que «já só faltam dois anos e meio, até menos...», o nosso técnico (e, quem sabe, futuro gestor de projecto) angolano quer que eu e a Paula nos casemos em Angola segundo as tradições de cá, e a nossa técnica angolana quer que a Paula vá entrançar o cabelo com ela. Se calhar até sei porquê. Porque pessoas com abertura de espírito reconhecem que Angola necessita de acolher estrangeiros e receber fomação técnica destes. Claro que um país com dinheiro atrai oportunistas, mas as pessoas dotadas de inteligência são capazes de distinguir o trigo do joio. São pessoas com espírito crítico suficiente para, por exemplo, se queixarem dos exemplos de falta de civismo dos seus concidadãos, para admitirem que a Angola herdada do tempo colonial é mais "arrumada" do que a Angola pós-independência. Eles próprios, que conhecem o país desde que nasceram, o dizem. E certamente não são os únicos lúcidos e exigentes em relação ao seu país.






Depois, há os outros. Os que emprenharam pelos ouvidos e, como não têm capacidade para raciocinar e questionar, repetem por aí que «Angola tem petróleo e diamantes, logo não precisa dos estrangeiros para nada». São de tal forma nacionalistas, que rejeitam com arrogância uma crítica vinda de um estrangeiro, consideram que o país deles é o melhor do mundo, e atribuem as culpas das pequenas imperfeições aos estrangeiros, sobretudo ao «sacana do colono que levou tudo quando se foi embora». Abrem uma excepção para os operários chineses; esse até dão jeito para trabalharem nas obras, que dá muito trabalho. No fundo são iguais a uns certos meninos de extrema-direita, mas em versão mwangolé. Bem, tenho novidades para vocês: nem Portugal nem Angola são os melhores países do mundo. A culpa é dos interesses económicos, do políticos, e nalguns aspectos é do próprio povo.

Ora, desde há uns dias um destes exemplares tem passado pelo blog do Afonso e tem-no brindado com estas pérolas:

«Estás a começar a precisar mesmo é de uma lei 24/00.
Falas de mais num país que não é teu.Cospes na sopa que te tira a fome.Fala do teu portugalsito porque corrupção não te falta por lá.trabalha porque é para isso que és pago.
trago-te debaixo de olho.Cova da Moura»

«Vais mais depressa do que julgas porque te trago debaixo de olho.Nem os dardos te poupam mas deixa estar que não estás só.Já te arranjei boa companhia.Andam aí uns blogs de gente da tua laia que vao sentir o zunir nas orelhas e berrida pela certa que os pulas não gostam de maka como já aconteceu com os brancos tugas noutras horas.E foi ve-los bazar num bater de tacão fino.»

«Tenho andado a ver-te mesmo e a verdade mesmo é que já começaste a ser menos cabrão com os angolanos.Nada melhor que vos amaçar mesmo.Os pulas tugas metem logo o rabo nas pernas e ala que parar é Lisboa.
Mas há mais blogs do tipo dos teus.
vou lá zunir tambem!
juizinbho menininho!»


E hoje, quer no Aerograma, quer no Muamba, recebemos o seguinte comentário:

«Vão embora mesmo seus pulas.Não vão a bemn tem de ir mesmo a mal, ganham o kumbu aqui senão morriam de fome e ainda falam mal de Angola.Estamos mesmo a ser vigilantes nos vossos blogs.PQP»

Que comentários é que isto me suscita? Primeiro, é fácil de ver que alguém sem problemas de leitura teria percebido que nos meus posts tanto critico Angola, como lhe aponto méritos. Segundo, alguém com um mínimo de inteligência acredita que se feche um blog e principalmente que se abandone um projecto de TRABALHO (sabes o que isso é?) da dimensão daquele em que nos envolvemos, por causa de umas ameaças anónimas escritas atrás de um monitor?

Todos os dias me orgulho daquilo que temos ajudado a construir aqui e estou certo que, em menos de um ano, já contribuimos mais para este país do que muitos destes inflamados farão em toda a sua vida. Como já percebi que o texto é repetitivo e pobre em argumentos, próprio de quem tem um raciocínio limitado, não vou voltar permitir a entrada deste SPAM aqui no meu estaminé. Sim, os pulas não gostam de maka. Era suposto gostar da maka de Luanda?

Obviamente terei uma ou mais respostas tão cretinas como os comentários anteriores, à(s) qual (is) não poderei responder posteriormente porque o autor não fornece o e-mail e eu não o considero digno de um novo post. Por isso, deixo-lhe antecipadamente uma mensagem:

Gostas assim tanto do teu país?

ENTÃO DESENCOSTA-TE DA PAREDE E TRABALHA PARA O MELHORAR!


sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Contrastes


Sempre que vamos de férias à "santa terrinha" é inevitável fazermos comparações entre a realidade que enfrentamos na maior parte dos dias, e a que reencontramos e já quase tinhamos esquecido.

> Quente e frio
Para começar, não posso deixar de "falar" no tempo e no surto de gripe que assolou Portugal precisamente durante a nossa visita. Volta-e-meia comentamos que já passaram "n" meses e ainda não estamos palúdicos (oxalá possamos continuar a repetir a ladaínha à medida que a contagem prossegue), mas não precisámos de duas semanas inteiras de regresso a casa para ficarmos sob a influência do Influenza, com as férias transformadas em clausura. Isn't it ironic? E - opinião particular, não partilhada pela Paula e pelo Afonso - abençoada hora em que deixámos para trás as mínimas de 1º em Lisboa e fomos recebidos pelos húmidos 26-32º de Luanda. Frio só tem piada se der para ver neve.

> Crash Tests (are only for those f…) Dummies
Outro aspecto em que as duas capitais têm diferenças bem vincadas é o do trânsito. É um descanso, por duas semanas, não termos de ziguezaguear em 1ª a fugir dos buracos (quando se consegue, porque há sítios em que estes ocupam toda a largura da via), não vermos toda e qualquer nesga de dois metros ser transformada em fila adicional por um conjunto de chicos-espertos, e não demorar meia-hora hora para fazer três quilómetros. Mas, apesar de Luanda nos envelhecer - para não dizer que nos dá cabo do juízo - honra lhe seja feita: a sinistralidade grave faz Lisboa roer-se de inveja. E porquê? Porque os portugueses, ao volante, são uns stressadinhos da trampa. Se soubessem o que é demorar uma eternidade a chegar ao destino, perceberiam como são privilegiados e não fariam rally à chuva, a cheirar o pacote uns aos outros. Se não se ouve nas rádios de Luanda, em plena hora de ponta, «trânsito cortado na 2ª Circular devido a um acidente grave», não é por não existir a 2ª Circular ou por as informações de trânsito serem raras; é porque mesmo nas vias principais a velocidade nunca chega a ser suficiente para colisões muito violentas. Os acidentes mais aparatosos são quedas em valas nas bermas e colisões contra os carros estacionados (falta de unhas e excesso de Cucas, Ekas e Nokais nas noites de fim-de-semana), mas as proporções são bem mais suaves do que em Portugal.

> O ataque da marabunta às superfícies comerciais
Logo no segundo dia após o regresso a Paula ficou em casa, ainda com as energias em baixo e a precisar de comida de dieta. Quis o acaso que também se tivessem acabado as reservas de água filtrada, o que a levou ao supermercado do bairro. O drama, o horror, a tragédia: não havia pão, não havia NADA na zona dos legumes frescos a não ser batatas, e água só em garrafas de 33 cl. Ao fim do dia de trabalho, passei então pelo Jumbo que, relembro, é a maior superfície grossista de Luanda. O drama, o horror, a tragédia: não havia pão, não havia nada de jeito na zona dos legumes frescos a não ser batatas, cebolas e repolhos (aha!, temos aqui uma nuance), e água só em garrafas de 33 cl. Bem, aí em Portugal, entre o Natal e o Fim-de-ano, foram filas em direcção aos centros comerciais para enfeirar uns trapitos, não é? A crise é uma óptima desculpa para a noite de Natal, mas que diabo, os modelitos da estação são imperdíveis. Aqui esgotaram os comes e os bebes. Cerveja incluída, claro! Mas agora já sabemos que em Dezembro, antes da partida, temos de adoptar a táctica do açambarcamento.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Atingido por um dardo


Anda aqui por Luanda um dardo a voar de blog em blog... ;)

"Com o Prémio Dardos reconhecem-se os valores que cada blogger emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc. que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras. Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os bloggers, uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web.
Este prémio obedece a algumas regras:

1) Exibir a imagem do selo;

2) Linkar o blog pelo qual se recebeu a indicação;

3) Escolher outros blogs a quem entregar o Prémio Dardos."

Cheguei a Angola há 8 meses e meio, deixando pais ansiosos e amigos curiosos quanto à minha reacção aos contrastes com a Europa. Comecei a escrever de vez em quando, para partilhar com quem me lia as minhas descobertas e opiniões, e ao mesmo tempo encurtar a distância à terra natal. É com natural satisfação que envio o meu muito obrigado à m.Jo, do blog Seguindo Adiante, por considerar este modesto cantinho como merecedor deste prémio.

Ora, olhando para os critérios deste prémio, os meus escolhidos são:

1) Aerograma;
2) Angola em fotos;
3) Casa de Luanda;
4) Diário da África;
5) Seguindo Adiante;
6) E a Tertúlia Africana, porque apesar de o André ter regressado a Portugal no dia em que aterrei em Luanda, de certa forma influenciou a forma como encarei esta "aventura".

domingo, 11 de janeiro de 2009

«'Eroporto! 'Eroporto!»

O Aeroporto 4 de Fevereiro é vagamente parecido com algumas imagens do Aeroporto da Portela. Pelo menos, com as imagens a preto e branco...

É um edíficio baixo, com a traça rectilínea dos edifícios do Estado Novo, ainda com os néons e os «caixilhos-e-laminados» originais. Grande QB para o volume de passageiros dos tempos coloniais, e provavelmente também para o volume dos anos de guerra. Já para o tráfego actual - desculpem-me a sinceridade, mas - parece-me escasso. Balcões de check-in são perto de dez; basta que haja dois voos em check-in, mesmo que a partida tenha duas horas de diferença, para se formarem filas de dezenas de metros. E, com a terceira e última apresentação do passaporte (para quê?) antes da sala de embarque, a escassos metros da entrada das salas de declaração de valores, é facílimo estas duas filas cruzarem-se na perpendicular. Não é de espantar que os voos partam com atraso...

No Aeroporto, à partida de um voo para Lisboa, sobressaem 4 grupos. Os funcionários dividem-se entre o atendimento, com ar carrancudo e desconfiado, e o encaminhamento, com ar desconfiado e altivo, dos passageiros. O ar carrancudo é imagem de marca de qualquer funcionário angolano que esteja no atendimento ao público. A desconfiança será, possivelmente, quanto às intenções dos magotes de estrangeiros que visitam Luanda (eu desconfio que a intenção é virem ver o CAN 2010, mas enganaram-se na data...). A altivez é aquele inchaço na barriga de quem tem uma profissão que confere um pequeno poder. Lembro-me de um funcionário me ter interpelado com um sorriso simpático nos lábios... o que pergunta se transportamos notas na bagagem. Foi uma surpresa ter-me encaminhado para a fila seguinte sem me mostrar a entrada da sala, mas o magote de gente que se seguia a mim e o atraso no voo talvez fossem a explicação.

Os tugas são fáceis de identificar, não apenas por serem brancos, mas por terem frequentemente uma atitude propícia à caricatura. É banalíssimo se um passageiro tuga, chegado à entrada do terminal de partidas e informado que a fila para Lisboa é a que tem 35 metros e não a que tem 30, reclamar (também não é de espantar se a reclamação for em português vernáculo). Na verdade, mesmo que fosse a fila mais curta, reclamaria por existir fila, e se não existisse fila reclamaria por o voo estar atrasado. Depois, Portugal é provavelmente o único país que é membro da UE há 20 anos e que ainda tem gente com cabelo à João Pinto (o lateral direito), com sorrisos corados de quem bebeu tinto ao pequeno-almoço, e com camisas abertas a mostrar os pêlos do peito e o fio de ouro. E com sentido de humor, imagine-se! Pronto, é o sentido de humor «Malucos do Riso», em que cada um tenta ser o mais engraçado do grupo (até porque frequentemente viajam com colegas da empresa), com piadas do género «Ó Dabide Bítor, olha que tu num vais no abion». E o objectivo não é apenas receber o troféu das mãos dos colegas, mas também dos restantes compatriotas, mesmo daqueles que não estão para aí virados.

No avião, este tipo de portugueses (da espécie «lusos boçalis») destaca-se pela sonoplastia acessória, típica da mastigação de boca aberta, e por ser incapaz de fazer as pernas caberem dentro do lugar que lhes está destinado, mesmo que tenham de empernar com o vizinho do lado - EU, que por sinal não gosto de empernar com gajos, mas quem me manda ser esquisito?... - como que a passar a mensagem «sou tão macho, tão macho, que eles mal me cabem aqui no meio». No caso concreto do espécime que calhou ir ao meu lado na viagem de 22/12, acresce ainda um mal chamado «bichos carpinteiros no olho do cu». Ainda lhe perguntei antes de levantarmos voo se fazia questão de ir à janela ou se se importava de trocar de lugar com a Paula (que ia na coxia), e embora tenha alegado que aquele era o único lugar em que não enjoava, levantou-se SEIS vezes durante a viagem, para ir na palheta com o amigo. Perdeu uma oportunidade que o comum mortal não tem todos os dias, para guardar na memória imagens da Coordilheira do Atlas como esta:


Chamo a atenção para a neve presente apenas nas encostas viradas a norte.

O comportamento dos passageiros angolanos da TAP é completamente diferente. Exemplar. Low profile é a imagem de marca. Talvez porque apenas uma fatia da população com um nível sócio-económico acima da média tem acesso a viagens de avião, enquanto que, de entre os portugueses, tanto viaja quem tomou chá em pequeno, como um labrego qualquer... Vá, venham daí as pedras pelo meu comentário.

O 4º grupo a marcar presença no aeroporto é um outsider: os "agilizadores". Deambulam pela área livre do terminal de partidas - e, quando os funcionários fecham os olhos, também pela área restrita a passageiros e funcionários - analisando as filas do check-in e abordando quem parece mais impaciente com a espera (e também quem não parece, o que interessa é atirar o barro à parede) com a proposta de "agilizar" o processo, ou seja, passar o passageiro para a frente da fila a troco de uma gasosa. Algo perfeitamente inútil: o avião não parte antes da fila ser completamente absorvida pelos balcões, e quanto mais cedo passarmos pelos crivos sucessivos, mais depressa vamos esperar na sala de embarque.

À chegada a Luanda, soube que o CAN2010 começará já no dia 11 de Janeiro, ou seja, daqui a exactamente um ano. O novo aeroporto, a sudeste da capital, está já a ser construído e dava jeito que estivesse pronto na altura do campeonato. Tal com os hóteis que estão em construção e, já agora, os quatro novos estádios...